Com a crescente valorização dos preceitos psicológicos, muitas coisas tem se dito e vivido por meio de uma pseudo-psicologia anunciada em livros de auto-ajuda e programas televisivos (salvo, raras exceções).
Muitas coisas do senso comum passam por aquela historinha da criança que queria entender o porquê de sua mãe cortar a cabeça do peixe na hora de assar. Sua mãe havia lhe respondido que aprendera com a vovó materna, questionando a avó esta respondera que aprendera com a simpática bisavó da criança e após saborear um delicioso peixe assado da bisa, esta lhe contara que antes as assadeiras eram tão pequenas que precisava cortar a cabeça dos peixes para caber.
Conclusão? Muitas histórias, vivências e falas do senso comum se tornaram tão presentes no cotidiano das pessoas que parecem ser verdadeiras "verdades científicas".
Tais como "não tomar sorvete no frio que pega gripe" ou ainda "não tomar friagem no peito pra não pegar gripe", embora, saiba-se que a gripe e o resfriado é causado por um vírus que pode comprometer a viagem à praia ou ao campo em pleno 40º graus, é comum o hábito de evitar tomar coisas geladas em épocas frias do ano e usar diversos coletes caso "pinte aquele ventinho maroto da madrugada".
Outros exemplos de senso comum que moldam as atitudes cotidianas são: fazer musculação torna a mulher masculina, bebê gordo é bebê saudável, meninos devem usar roupas de tonalidade azul enquanto as meninas devem usar o rosa, menino gostar do filme "A pequena sereia" é motivo para marcar uma consulta urgente com o psicólogo assim como o menino querer brincar com a Barbie da prima ou a menina querer jogar futebol na rua com os amigos da escola.
Mas quando o senso comum transpõe dessa esfera cotidiana e alcança o poder de um saber científico comprovado, como "QI elevado é sinônimo de inteligência alta", "pensamento positivo cura todas as doenças" e ainda "os psicólogos dizem que não podemos guardar nossas emoções" resultando em inúmeras discussões e falta de equilíbrio e de habilidade social torna-se um problema, pois, não estará mais se falando de uma simples idéia passada de geração a geração, mas, de um mito.
A conhecida "psicomitologia" tem ocasionado diversos problemas, pois sugere tomada de decisões e aconselhamentos baseados em orientações duvidosas, muitas vezes, dados por especialistas "autoproclamados" da área médica e psicológica. Para evitar cair nos erros de auto-ajuda e saber distinguir uma orientação correta é preciso seguir os 10 passos do kit de caça ao mito descrito no estudo de Barry Beyerstein e colegas:
- Cuidado com o boca a boca: verificar sempre a veradicidade da situação e investigar se outras pessoas fizeram o mesmo que estão lhe orientado e deu realmente certo (lembre-se de quando começaram a colocar garrafa pet com água em cima das caixas de luz para diminuir a conta de consumo de energia, com quem realmente funcionou?)
- Respostas rápidas e fáceis: não existem soluções mágicas (fuja das promessas de "emagrecer 15 kg em um mês" e "aprenda dormindo")
- Percepção seletiva e memória: cuidado com as crenças criadas e ouvidas durante a vida, podem levar a pessoa a ter um ato "automatizado" por conta de sua memória (toda vez que o chinelo estava virado alguém da família morrera faz com que não deixe nunca nenhum sapato virado)
- Correlacionar causalidades: a criatividade humana é indescritível e por isso é possível correlacionar várias fenômenos sem que haja um fundo de verdade comprovado cientificamente (cortar o cabelo sempre na lua cheia, o deixa com mais brilho e volume)
- Cuidado com o pensamento "porque A precede B, então A deve causar B": redobrar a atenção ao pedir conselho de amigos e conhecidos para investigar uma situação do dia e correlacionar de forma incorreta (lembre-se da história da mulher que enquanto o marido viajava, recebia sempre um homem em casa e ficou "falada" por estar traindo o marido quando descobriram que era o irmão que havia voltado do Japão)
- Associar um pensamento a uma amostra tendenciosa: não generalizar uma informação obtida ("todos os homens ciumentos tendem a ser violentos de acordo com o estudo da Universidade W" pode se tornar em uma conversa em "uma pesquisa da Universidade W descobriu que todos os homens ciumentos são violentos")
- Encontrar semelhança em situações parecidas e generalizar: enxergar semelhanças onde há somente algo parecido (as advogadas e empresárias que usam salto alto são mais competentes porque o estereótipo visto daquelas com mais sucesso é estar utilizando um salto tamanho 9)
- Seguir e acreditar no que é passado nos cinemas e mídias: hoje em dia, a mídia, especialmente brasileira, tem utilizado deste artifício para ensinar e quebrar mitos na população, mas, muita gente ainda se espelha nos personagens de ficção e tentam viver no cotidiano a vida da novela
- Exageração: tomar cuidado com informações que são divulgadas de forma exagerada e que possuem como objetivo a compra ou a propagação de uma falsa idéia (será que todas as pessoas necessitam de smartphone e um tablet?)
- Confusão terminológica: cuidado com a associação errônea de alguns termos, tais como, procurar uma psicologia breve não significa que será uma terapia em poucos dias, que idosos não possuem atividade sexual ativa (pelo que muito está associado ao ser idoso), que deve-se respeitar as recordações porque são fiéis ao fato (sabe-se que a memória é construída por meio da vivência e da fala e que alguma recordação pode ser resultado de algo muito escutado e não vivenciado) e que liberar a raiva (fazendo academia ou dizendo o "que se pensa" ajuda a dissipá-la.
Seguindo estes passos é possível desvendar os mitos que assolam e perturbam na tomada de decisão no dia-a-dia, auxiliando cortar o cabelo no único dia disponível na agenda do salão (em plena lua minguante), usar aquela bolsa que há muito tempo está guardada desde a última tentativa de assalto e ter um relacionamento amoroso com uma pessoa que gosta das mais coisas, filmes e paladares (não é somente os opostos que se atraem e, lembre-se, se um dia foi justamente o oposto que te atraiu, provavelmente vai ser esse mesmo oposto que será o motivo da separação).