Quando se falava de atendimento de jovens em consultórios psicológicos, geralmente eram por 3 alternativas: alguém de 16, 17 anos com algum tipo de vício, alguém vítima do divórcio dos pais e alguém em busca de orientação profissional.
Hoje, porém, jovem é sinônimo de estudantes graduados e de profissionais formados que estão batalhando por um "lugar ao sol" no temível mercado de trabalho. Muitos destes tiveram uma adolescência semelhante à rotina de um adulto, estudando e dividindo o tempo livre em cursos de idiomas, técnicos ou trabalhando em alguma firma.
Não é difícil e nem raro, nos dias atuais, o atendimento a jovens que chegam com as seguidas queixas "estudo numa boa faculdade, já estou empregado, mas não sei, tem dia que não tenho ânimo para estudar ou trabalhar" ou ainda "minha saúde é ótima, tenho uma boa família, amigos, uma situação financeira razoável, mas ando desanimado".
Qual seria o motivo destes jovens estarem desanimados? Aparentemente possuem a vida que muitos almejam. Acredito que a cobrança acadêmica e profissional que estes tem tido para com eles próprios seja o motivo de estarem emocionalmente cansados. Ao ler a charge abaixa, lembrei-me de várias situações em que presenciei, nos bastidores, de jovens com falas semelhantes.
Isto me faz lembrar uma antiga lenda do Quênia (país do continente africano) que os animais reunidos junto ao rio Impumelelo queriam descobrir qual deles era o mais importante.
Era uma difícil escolha. Não podia se levar em conta somente os aspectos físicos, como a força, a beleza, a inteligência ou até mesmo a esperteza.
O que era para ser avaliado era qual o animal que por sua tarefa natural, fosse imprescindível para todos os outros, e dele dependesse o futuro de todos os animais.
Os animais mais formosos foram logo tomando à frente dos outros, para desfilarem diante do júri. Em seguida, foi à vez dos mais robustos seguidos pelos pequenos, escondidos pela aparente grandiosidade dos outros.
No quesito força, sem dúvida alguma, o leão, o búfalo, o rinoceronte, o hipopótamo e o elefante empatavam. Ao se falar em beleza, a águia era a rainha, a girafa elegante, a gazela formosa e a pantera bela.
Em inteligência, a abelha era a banbanban em Matemática, construindo com perfeição os seus favos, o João de Barro é considerado um verdadeiro engenheiro na construção de sua casa com argila e o papagaio? Este era até mesmo capaz de imitar a voz do homem!
O concurso pretende estabelecer dentre todos os animais aquele a quem a natureza confiou uma tarefa verdadeiramente incrível, importante para todo o reino animal, esclareceu um dos jurados.
O júri após pensar e analisar muito bem os candidatos deu seu veredicto.
A minhoca é a vencedora. Embora seja ela um dos mais desprezados membros do reino animal, sem nenhuma beleza aparente, é ela a responsável por cavar inúmeros túneis na terra, os quais levam o ar atmosférico e mineral até as raízes de todas as plantas, fazendo-as crescerem fortes e saudáveis.
Qual a relação desta história com os jovens em questão? Pois bem, a minhoca não tem ouvidos, olhos ou nariz, apenas a boca. Sua importância, porém, é infinitamente superior à força do leão, à beleza da águia ou à inteligência da abelha e imprescindível para a vivência futura dos animais.
Assim é o jovem profissional de hoje, um ser humano que molda o futuro, mas que vivencia talvez a mais importante fase de sua vida, tendo em vista eventos significativos encontrados nesse período, tais como a descoberta de um mundo social e profissional diferentes à época pré-faculdade.
Um momento em que se começa a celebrar os primeiros sucessos profissionais, os primeiros artigos publicados, as primeiras palestras contratadas, os primeiros negócios fechados, a primeira especialização com um cargo significativo na empresa em que entrou (ou não) como estagiário, o primeiro noivado e tantos outros.
É uma fase maravilhosa, porém, um momento de despedida, pelo qual, com o passar do tempo vai substituído atitudes inerentes ao comportamento juvenil para assumir novas posturas. E está aí o problema! A cobrança acadêmica e profissional acaba sendo tão forte que estes jovens buscam qualidade profissional a todo tempo e a todo instante (como na charge) que parece ser algo natural a estes, como algo que faz parte, assim como o papel da minhoca na natureza. Mas se fosse você, votaria na minhoca?
Acredito que não, pois não é tão óbvio imaginarmos a importância que a minhoca tem na natureza, assim como não é natural e nem óbvio que nossos jovens tenham que vivem em constante busca de aprimoramento profissional.
Estes jovens estão começando a perceber que estão perdendo a referência para a vida futura, transformando objetivos que antes era de longo prazo para curto prazo. Quantos jovens existem hoje com 30 anos já doutorados, com inúmeros livros publicados e uma carreira profissional estonteante, mas, e a vida amorosa, afetiva, social, familiar e até mesmo religiosa? Será que este desânimo, cansaço e sono não podem ser sintomas da excessiva cobrança da sociedade atual?