O papel da família no tratamento da dependência química
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O papel da família no tratamento da dependência química

A inclusão da família no tratamento de dependentes químicos tem sido consideravelmente estudada, no entanto, não existe um consenso sobre o tipo de abordagem a ser utilizado, dentre as várias propostas.

O papel da família no tratamento da dependência química

Importancia da familia no tratamento do dependente quimico

A inclusão da família no tratamento de dependentes químicos tem sido consideravelmente estudada, no entanto, não existe um consenso sobre o tipo de abordagem a ser utilizado, dentre as várias propostas.

A literatura tem concluído que a terapia familiar e de casal produzem melhor desfecho quando comparada com famílias que não são incluídas no tratamento.

Dentro deste contexto, três modelos teóricos têm dominado a conceitualização das intervenções familiares em dependência química: o modelo da doença familiar; o sistêmico e o comportamental.

  1. O modelo de doença familiar considera o alcoolismo ou o uso nocivo de drogas como uma doença que afeta não apenas o dependente, mas também a família.
  2. O modelo sistêmico considera a família como um sistema, em que se mantém um equilíbrio dinâmico entre o uso de substâncias e o funcionamento familiar.
  3. O modelo comportamental baseia-se na teoria da aprendizagem e assume que as interações familiares podem reforçar o comportamento de consumo de álcool e drogas.

O princípio é que os comportamentos são apreendidos e mantidos dentro de um esquema de reforçamento positivo e negativo nas interações familiares.

O tratamento tem como objetivo a modificação do comportamento da esposa ou das interações familiares que podem servir como um estímulo para o consumo nocivo de álcool ou desencadeadores de recaídas, melhorando a comunicação familiar, a habilidade de resolver problemas e fortalecendo estratégias de enfrentamento que estimulam a sobriedade.

Vários estudos referentes a este modelo descreveram desfechos melhores e redução na utilização da substância de abuso. Já a abordagem cognitiva-comportamental mescla técnicas da escola comportamental e da linha cognitiva.

Esta abordagem reza que o afeto e o comportamento são determinados pela cognição que a família tem a cerca da dependência química, sendo esta cognição disfuncional ou não.

O foco é reestruturar as cognições disfuncionais através da resolução de problemas, objetivando dotar a família de estratégias para perceber e responder as situações de forma funcional.

Características Presentes em Famílias de Dependentes Químicos

O impacto que a família sofre com o uso de drogas por um de seus membros é correspondente as reações que vão ocorrendo com o sujeito que a utiliza. Este impacto pode ser descrito através de quatro estágios pelos quais a família progressivamente passa sob a influência das drogas e álcool:

  1. Na primeira etapa, é preponderantemente o mecanismo de negação. Ocorre tensão e desentendimento e as pessoas deixam de falar sobre o que realmente pensam e sentem.
  2. Em um segundo momento, a família demonstra muita preocupação com essa questão, tentando controlar o uso da droga, bem como as suas conseqüências físicas, emocionais, no campo do trabalho e no convívio social. Mentiras e cumplicidades relativas ao uso abusivo de álcool e drogas instauram um clima de segredo familiar. A regra é não falar do assunto, mantendo a ilusão de que as drogas e álcool não estão causando problemas na família.
  3. Na terceira fase, a desorganização da família é enorme. Seus membros assumem papéis rígidos e previsíveis, servindo de facilitadores. As famílias assumem responsabilidades de atos que não são seus, e assim o dependente químico perde a oportunidade de perceber as conseqüências do abuso de álcool e drogas. É comum ocorrer uma inversão de papéis e funções, como por exemplo, a esposa que passa a assumir todas as responsabilidades de casa em decorrência o alcoolismo do marido, ou a filha mais velha que passa a cuidar dos irmãos em conseqüência do uso de drogas da mãe.
  4. O quarto estágio é caracterizado pela exaustão emocional, podendo surgir graves distúrbios de comportamento e de saúde em todos os membros. A situação fica insustentável, levando ao afastamento entre os membros gerando desestruturação familiar.

Embora tais estágios definam um padrão da evolução do impacto das substâncias, não se pode afirmar que em todas as famílias o processo será o mesmo, mas indubitavelmente existe uma tendência dos familiares de se sentirem culpados e envergonhados por estar nesta situação.

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Muitas vezes, devido a estes sentimentos, a família demora muito tempo para admitir o problema e procurar ajuda externa e profissional, o que corrobora para agravar o desfecho do caso. E os filhos? Crescer em uma família que possui um dependente químico é sempre um desafio, principalmente quando falamos do contato direto de crianças e adolescentes com esta realidade.

Filhos de dependentes químicos apresentam risco aumentado para transtornos psiquiátricos, desenvolvimento de problemas físico-emocionais e dificuldades escolares.

Dentre os transtornos psiquiátricos, apresentam um risco aumentado para o consumo de substâncias psicoativas quando comparado com filhos de não dependentes químicos, sendo que filhos de dependentes de álcool têm um risco aumentado em 4 vezes para o desenvolvimento do alcoolismo.

No entanto, também é um grupo com maior chance para o desenvolvimento de depressão, ansiedade, transtorno de conduta e fobia social. Em relação ao desenvolvimento de problemas físico-emocionais, é predominante a baixa auto-estima, dificuldade de relacionamento, ferimentos acidentais, abuso físico e sexual.

Na maioria das vezes os filhos sofrem com uma interação familiar negativa e um empobrecimento na solução de problemas, uma vez que estas famílias são caracterizadas como desorganizadas e disfuncionais.

Aproximadamente um a cada três dependentes de álcool tem um histórico familiar de alcoolismo e a probabilidade de separação e divórcio entre casais é aumentada em 3 vezes quando esta união se dá com um dependente de álcool.

Fatores como falta de disciplina, falta de intimidade no relacionamento dos pais e filhos e baixa expectativa dos pais em relação à educação e aspirações dos filhos também contribuem para o desenvolvimento de problemas emocionais, bem como o consumo de substâncias psicoativas.

Estudos sobre violência familiar retratam altas taxas de consumo de álcool e drogas, sendo que filhos geralmente são as testemunhas da violência entre o casal e família, e por vezes alvo de abusos físicos e sexuais. Esta população também está mais freqüentemente envolvida com a polícia e com problemas legais quando comparados com filhos com ausência de pais dependentes químicos.

No que tange as dificuldades escolares, filhos de dependentes de álcool apresentam menores escores em testes que medem a cognição e habilidades verbais uma vez que a sua capacidade de expressão geralmente é prejudicada, o que pode dificultar a performance escolar, em testes de inteligência, empobrecimento nos relacionamentos e desenvolvimento de problemas comportamentais.

Este empobrecimento cognitivo em geral se dá pela falta de estimulação no lar, gerando dificuldades em conceitos abstratos, exigindo que estas crianças tenham explicações concretas e instruções específicas para acompanhar o andamento da sala de aula. 

Nas crianças foi observado timidez e sentimento de inferioridade; depressão; conflito familiar; carência afetiva e bom nível de energia que é indicativo de equilíbrio emocional e mental.

Nos adolescentes, foi observado maior índice de problemas em Desordens Psiquiátricas, Sociabilidade, Sistema Familiar e Lazer/ Recreação. Apesar de seu estado de risco, é importante salientar que grande parte dos filhos de dependentes de álcool é acentuadamente bem ajustada, e por tal uma abordagem preventiva de caráter terapêutico e reabilitador pode ser de vital importância no desenvolvimento saudável de filhos de dependentes químicos.

Tratamento

Inicialmente a disponibilidade dos membros será um fator relevante para um bom encaminhamento, no entanto nem sempre isso é possível. Por isso algumas intervenções que antecedem este processo são favoráveis, como atendimentos individuais às esposas ou pais e/ou intervenções de orientação e suporte.

É através do atendimento familiar que os membros passam a receber atenção não só para suas angústias, como também começam a receber informações fundamentais para a melhor compreensão do quadro de dependência química, e conseqüentemente melhora no relacionamento familiar.

Uma avaliação familiar pode ser um grande auxiliar no planejamento do tratamento; fornece dados que corroboram com o diagnóstico do dependente químico, bem como funciona como forte indicador do tipo de intervenção mais adequado tanto à família quanto ao dependente.

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A American Society of Addiction Medicine propõe três fases para o tratamento de famílias de dependentes químicos, sendo que o nível de intervenção varia de acordo com a meta de tratamento estabelecida, bem como as necessidades da família.

A tabela abaixo sumariza os níveis de intervenção familiar de acordo com as fases:

Fase I

  1. Trabalhar a negação;
  2. Interromper o consumo de substâncias Individual

Fase II

  1. Prevenir recaídas;
  2. Estabilizar a família, melhorando seu funcionamento.

Fase III

  1. Aumentar a intimidade do casal, no plano emocional e sexual.

A fase I tem como objetivo o dependente a atingir a abstinência. Para tal é importante auxiliar as pessoas a assumir a responsabilidade sobre seus comportamentos e sentimentos.

Por vezes, alguns membros podem ser atendidos conjuntamente, enfatizando a diminuição da reatividade do impacto de um familiar nos outros.

Ao pensar no modelo de doença, nesta fase é trabalhado o conceito de co-dependência. No referencial sistêmico, o foco centra-se na esposa definir uma posição de modo a quebrar o circulo repetitivo do funcionamento familiar e desta forma, auxiliar o dependente em sua recuperação.

O referencial comportamental trabalha com a perspectiva de visualizar comportamentos do cônjuge que reforcem o comportamento aditivo, almejando a substituição por comportamentos que reforcem a sobriedade.

Na fase II, o foco é identificar padrões disfuncionais na família como um todo, tanto na família de origem, quanto da família de procriação.

Nesta fase é importante retomar rituais familiares e conforme o grau de dificuldade, o encaminhamento para uma psicoterapia familiar especializada pode ser realizado.

A fase III é definida como uma nova fronteira no tratamento da dependência química, sendo uma das áreas menos exploradas e talvez uma das mais controversas.

Muito tempo após a cessação do consumo de substâncias, alguns relacionamentos continuam desgastados. Nesta fase o tratamento tem como meta aumentar a intimidade do casal e a participação de ambos no processo é fundamental.

Em termos de modalidades, podemos trabalhar com:

  • Grupos de Pares: Nesta modalidade os membros da família são distribuídos em diferentes grupos de pares: dependentes químicos, pais, mães, irmãos, cônjuges, etc. A interação entre pares é facilitadora de mudanças uma vez que escutar de um par não é o mesmo que escutar de um profissional, porque o par passa por situação semelhante e não é alvo de fantasias e idealizações como o terapeuta.
  • Grupos de Multifamiliares: através de um encontro de famílias que compartilham da mesma problemática, cria-se um novo espaço terapêutico que permite um rico intercâmbio a partir da solidariedade e ajuda mútua, onde as famílias se convocam para ajudar a solucionar o problema de uma e de todas, gerando um efeito em rede. Todas as famílias são participantes e destinatárias de ajuda.
  • Psicoterapia de Casal: Casais podem ser atendidos individualmente ou também em grupos, uma vez que o profissional tenha habilidades para conduzir as sessões sem expor particularidades que não sejam adequadas ao tema focado.
  • Psicoterapia Familiar: abordagem mais especializada segundo um referencial teórico de escolha do profissional para a compreensão do padrão familiar e intervenção. Nesta modalidade se reúne a família e o dependente químico. Vale ressaltar que a diversidade do atendimento familiar também se refere ao processo, havendo diferenças entre as famílias que recebem psicoterapia familiar, daquelas que esporadicamente são atendidas dentro do tratamento do dependente químico.

Conforme a modalidade adotada, é possível conciliar sessões abertas com sessões dirigidas, tanto em grupo quanto individual, com ou sem a presença do dependente, desde que acordado previamente entre as partes.

Considerações Finais

Muitos fatores de diversas etiologias contribuem para o desenvolvimento da dependência química, no entanto, a organização familiar mantém uma posição de saliência no desenvolvimento e prognóstico do quadro de dependência química.

Neste sentido, a abordagem familiar deve ser considerada como parte integrante do tratamento e um programa bem sucedido é essencial para um desfecho favorável.

Daí a necessidade de se especificar o tipo de intervenção de acordo com a meta do tratamento e as necessidades e capacidades da família, evitando adiantar-se a prontidão e motivação da mesma para a mudança. 

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Sobre o Autor
Redação IS

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