Antes de falar sobre a dependência química, acredito ser importante esclarecer o significado de "droga" dentro deste contexto.
De maneira geral "droga": é qualquer substância capaz de modificar o funcionamento fisiológico, mental ou comportamental de um indivíduo, incluindo diversas substâncias como comidas, medicamentos e plantas.
No entanto existe uma classe especifica de drogas, as drogas Psicotrópicas, que são capazes de alterar o funcionamento mental ou psíquico do indivíduo e que apresentam potencial de abuso podendo causar dependência.
É importante frisar que a maioria das drogas utilizadas como remédios, incluindo os psiquiátricos, não tem potencial de abuso e dependência. Mesmo que alterem o funcionamento fisiológico, mental e comportamental do indivíduo.
Existem alguns grupos específicos de remédios, que podem causar dependência e costumam ser receitados com muito critério por médicos de várias especialidades que não só a psiquiátrica.
Também é importante lembrar que não é preciso ser dependente para ter problemas com substâncias psicoativas.
Por exemplo, um indivíduo que apresenta problemas sociais, físicos e psicológicos como: brigas, faltas no emprego, acidentes, que se sentiu deprimido após ter agido de maneira inconveniente enquanto estava sob efeito da substância etc. Este indivíduo não é, necessariamente, um dependente químico, mas ele faz um uso "nocivo" da substância.
1- O que é dependência?
A definição de dependência abrange dois conceitos principais:
Dependência comportamental: ligada a atividades de busca pela substância e padrões de uso patológico.
Por exemplo, entre outros sintomas, a pessoa passa a usar a drogas de maneira compulsiva, tem dificuldade em se controlar quando decide ficar abstinente, abandona ou diminui outros interesses que tinha antes da dependência, como trabalhar, sair para eventos aonde não há oferta da droga, estudos, esportes, encontros com amigos, família, etc.
Passando grande parte do dia em função da droga, seja pensando no uso e procurando se controlar; seja buscando pela droga em bares e comércios (no caso das drogas lícitas como o álcool e o Tabaco) ou através de traficantes (no caso da droga ser ilícita).
Dependência física: efeitos físicos do uso da droga (tolerância e abstinência).
A dependência física é detectada inicialmente pelo desenvolvimento do sintoma de tolerância, que significa que o indivíduo usará quantidades cada vez maiores da droga para ter a reação esperada, desta maneira, sem que ele perceba, ele vai sobrecarregando seu organismo cada vez mais.
A abstinência
É a manifestação de um desajuste metabólico no organismo provocado pela suspensão do uso de algumas substâncias. Caracteriza-se por sensações de mal-estar e diferentes graus de sofrimento mental e físico, particulares para cada tipo de droga
"Algumas síndromes de abstinência podem ser tão graves ao ponto de colocar em risco a vida da pessoa, como é o caso da abstinência do álcool e da heroína"
2- Quais são as principais dependências? E quando é o momento certo para internar?
Na verdade não seria correto afirmar que existem dependências principais, todas são igualmente significativas em questões relacionadas a prognóstico e tratamento.
Mas se pensarmos em Saúde Pública e Epidemiologia, as dependências mais freqüentes são as que trazem mais prejuízos para o governo e a sociedade. Neste caso temos o álcool e o tabaco como "principais" dependências.
A internação idealmente deve ser uma decisão voluntária, o paciente chega à conclusão que necessita desta intervenção, procura um tratamento especializado aonde uma equipe multidisciplinar discutirá seu caso e de acordo com seu quadro clínico, criará o melhor programa de tratamento para esse paciente. Que poderá ser internado ou não.
No caso da internação involuntária, o paciente está de alguma forma colocando em risco a sua vida e/ou a vida de pessoas próximas a ele. Por exemplo, pacientes com complicações orgânicas que o debilitam fisicamente e que o uso da droga coloca em risco sua vida, pacientes em surtos psicóticos que estejam agressivos, pacientes com ideação suicida, etc. O tempo da internação também irá variar muito a cada caso.
3- Quais são as principais causas atribuídas ao uso de drogas?
As causas atribuídas ao uso de drogas são sempre, multifatoriais.
Realmente existem alguns fatores associados ao uso abusivo de drogas e a dependência química: fatores genéticos, psicológicos, culturais, familiares e sociais.
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As primeiras experiências com drogas costumam ocorrer, na adolescência. Vários trabalhos, incluindo a Organização Mundial de Saúde (OMS) têm evidenciado a precocidade da faixa etária do início do uso de drogas, geralmente dentro da adolescência, entre 10 e 19 anos.
De uma maneira simplificada podemos dizer que a busca pela droga ocorre através da expectativa que o individuo cria ao decidir fazer uso dela.
De maneira geral essa expectativa se dá em torno de buscar algo prazeroso (Relaxar, comemorar, sentir-se aceito pelo grupo, ficar mais corajoso, mais desinibido, eufórico, etc.) ou que traga alívio para uma dor emocional ou física (Esquecer ou não enfrentar, mesmo que temporariamente, problemas emocionais, financeiros, familiares, profissionais, aliviar dores físicas, etc.)
4- Quais são os efeitos crônicos do crack?
Nem todos sabem, mas o crack é uma das maneiras em que a cocaína é produzida pelo tráfico. Nas ruas, a cocaína, em forma de sal, é geralmente vendida misturada a outras substâncias como talco, pó de mármore e açúcar.
Já o crack, é o nome dado à forma de base livre vendida nas ruas. O nome surgiu pelo barulho, semelhante a um estalo, que a cocaína faz ao ser fumada.
Os efeitos da cocaína/ crack em curto prazo são: aumento da energia (euforia, ficar mais falante, mais agitado...), diminuição do apetite e sono, estado de alerta, vasoconstricção, dilatação da pupila, aumento da temperatura corporal, taquicardia, aumento da pressão arterial, alterações de comportamento, irritabilidade e ansiedade e por fim, paranóia.
Em longo prazo os efeitos são: tolerância, dependência, psicose e alucinações aditivas e alterações de humor.
Esses são os efeitos causados pela droga, porém acredito que a questão se relaciona mais aos complicadores do uso prolongado da cocaína / crack. Esses complicadores são: no sistema cardiovascular: ataques cardíacos, alterações do ritmo cardíaco.
No sistema respiratório: dores no peito, parada respiratória, perfuração de septo nasal (quando inalada).
No sistema nervoso: tontura, cefaléia, convulsões, acidente vascular cerebral, perda do olfato, visão borrada. No sistema gastrointestinal: náuseas, dor abdominal, gangrena intestinal. Outros: abscessos, Alergia, desnutrição, perda de peso, rabdomiolise, etc.
5- Maconha x ansiedade, é mito ou verdade?
As drogas psicotrópicas são divididas em Depressoras do Sistema Nervoso, as Estimuladoras do Sistema Nervoso e as Perturbadoras do Sistema Nervoso.
Ao contrario do que o senso comum acredita a maconha não deprime o Sistema Nervoso, ou seja, ela não necessariamente deixa o indivíduo mais "relaxado ou menos ansioso". Na verdade ela perturba o sistema nervoso, deixando o individuo confuso e muitas vezes aumentando sua ansiedade.
Os efeitos agudos da maconha são: taquicardia, dilatação das veias oculares, euforia inicial seguida de sonolência ou depressão, boca seca, fome ("larica"), ansiedade, pânico, psicose (alucinações, delírios e despersonalização), diminuição da atenção, dificuldade de coordenação motora, alteração da percepção de tempo e espaço, etc.
6- A maconha é uma droga fácil de largar?
A substância ativa na maconha é o THC (delta 9 tetrahidrocanabiol) e sua concentração é que determina a potência da droga.
Ela tem potencial de dependência e uma vez desenvolvida a dependência, assim como as outras drogas, o tratamento para deixar o uso não é fácil.
Os efeitos que ela traz no longo prazo também devem ser mais divulgados e esclarecidos, pois certamente ela não é uma droga de baixo risco para a saúde.
Em longo prazo ela pode causar dependência e dificuldade de retirada (irritabilidade, insônia e ansiedade), prejuízo da memória e da capacidade de aprendizado (déficits de atenção, de registro, organização e uso de informações, principalmente em usuários pesados, síndrome amotivacional (tristeza, falta de ímpeto), câncer do trato respiratório, câncer de cabeça e pescoço, bronquite, enfisema, tosse crônica, quadros psicóticos, etc
7- Como ajudar os adolescentes no consumo de álcool?
Existem muitas maneiras de ajudar, mas pessoalmente eu acredito que o bom exemplo é a primeira e mais importante ajuda que este adolescente precisa ter. Por este motivo vou me ater a falar com os modelos paternos, que desde sua primeira infância, são a base para ele entender e aprender a como lidar com as situações da vida.
E por isso o papel dos pais é fundamental nesse momento, os pais que não estiverem seguros ou sem saber como abordar e lidar com a situação devem procurar orientação profissional.
Eles realmente não têm a obrigação de saber lidar com esta questão, mas são os responsáveis por este adolescente e, portanto deverão ser os primeiros a orientar esse indivíduo da melhor maneira possível.
Complemente a sua leitura:
A questão deve ser conversada e esclarecida com o adolescente e para isso é importante estar preparado para ter argumentos lógicos e consistentes que o levem a pensar e tomar a melhor decisão. Como as questões biológicas e comportamentais que são fatores reais e importantes para o seu conhecimento.
Falar sobre alcoolismo como uma doença orgânica, com fatores genéticos, psicológicos e sociais. Se houver alguém na família com esta doença, esta pessoa não deve servir de exemplo negativo, ela deve sim ser um sinal de que ele muito provavelmente já tenha em sua genética a possibilidade de também desenvolver alcoolismo.
Além dessas conversas, que precisam ser rotineiras e francas, este adolescente deve ter claro que ele está em desenvolvimento e por questões orgânicas ele é, por lei, proibido de beber.
Passar por cima dessa lei e autorizá-lo a beber é mandar uma mensagem de que as leis não são necessariamente para serem seguidas e que esta autoridade pode ser ignorada. Certamente não é uma boa idéia, pois ele estará aprendendo que não precisa respeitar regras e autoridades se não quiser ou não achar certo. Por fim isso poderá voltar contra você.
Mas não sejamos inocentes, este adolescente ainda assim tem grande chance de ceder as suas expectativas individuais, curiosidade, pressões do grupo e resolver beber escondido. Isso significa que ele é um adolescente normal, como nós fomos um dia, e que está nesta fase de experimentar e testar limites.
Sendo descoberto, vale mais uma longa conversa e algumas conseqüências que correspondam a sua desobediência, de preferência negociadas com ele para que ele próprio perceba a relação de causa e conseqüência. Como ficar algum tempo sem sair sozinho, tirar a internet, vídeo game, mas sempre explicando o porquê e com o cuidado de não exagerar.
Ser agressivo física ou verbalmente, humilhar, se omitir, não vai ajudar em nada e muito pelo contrario poderá perpetuar o comportamento.
Fale sobre o que ele fez e não sobre quem ele é, mostre sua decepção com a escolha que ele fez, mas entenda que isso não é uma guerra, procure dar limites sem deixar de ser amoroso.
E por fim, fique alerta, mesmo que seu filho adolescente seja um "anjinho", inclusive a timidez é uma das grandes causas que levam o adolescente a buscar a bebida como um "antídoto" para ficar mais desinibido e popular.
Saiba quem são seus amigos, conviva com eles, conheça as suas histórias, e se possível suas famílias, converse muito sobre tudo, se interesse verdadeiramente por ele e sua rotina, observe alterações de humor, sintomas de tristeza, ansiedade, euforia, conheça seu filho e cuide muito bem dele.
8- Quais são os principais efeitos e consequências do álcool?
O álcool é a substância psicoativa mais consumida no mundo. Os diferentes tipos de bebidas possuem diferentes porcentagens alcoólicas; por exemplo, uma dose de bebida alcoólica contém de 8 a 13 gramas de etanol e equivale a 285 ml de cerveja, 120 ml de vinho e 30 ml de destilado (uísque, vodka ou pinga).
Diferentes concentrações de álcool no sangue correspondem a diferentes efeitos no organismo: Em uma concentração de 0.05%: pensamento, julgamento e auto-contenção estão alterados.
- 0.1%: prejuízo nas ações motoras voluntárias.
- 0.2%: A área motora do cérebro é deprimida, perdendo-se o controle das atividades, alterações emocionais
- 0.3%: confusão e estupor. 0.4%: coma.
- Em níveis acima de 0.5% pode ocorrer parada respiratória e morte.
Outras ações do álcool no organismo são: fragmentação e diminuição do sono profundo, quadros psicóticos, depressivos e ansiosos, "black out" (amnésia lacunar), fígado: esteatose hepática, hepatite alcoólica e cirrose hepática, esôfago: esofagite , estômago: gastrite, úlcera, má absorção de nutrientes (anemia por deficiência de vitamina B12), pâncreas: insuficiência pancreática, pancreatite, coração: aumento da pressão arterial, taquicardia e arritmias, disfunção sexual.
As conseqüências variam de acordo com a quantidade e a situação em que o álcool é ingerido, pode variar de uma discussão familiar, ter relação sexual sem proteção, não se lembrar do que aconteceu no dia seguinte a experiência, um acidente de trânsito, uma briga com agressões físicas que pode terminar de forma trágica, famílias são desfeitas, a própria dependência é uma conseqüência do uso de álcool.
É muito importante perceber que as possíveis conseqüências nocivas do uso abusivo do álcool já são muito evidentes em uma única experiência com a droga. Mesmo que o bebedor não seja um dependente de álcool, a pessoa alcoolizada coloca em risco a sua integridade física, a sua vida e a de pessoas próximas, sem parar para calcular esses riscos.
Fernanda Carolina Gomes GREA - Programa Interdisciplinar de Estudos de Álcool e drogas - HC-FMUSP Especialista em Medicina Comportamental - UNIFESP